Ballet Feminicídio estreia no Arthur Azevedo

Ballet Feminicídio estreia no Arthur Azevedo

O crime e suas verdades diárias são interpretados na coreografia de Fábio Alcântara em espetáculo da Cia Ateliê ad Academia de Dança, com estreia neste sábado (27), no Teatro Arthur Azevedo.

O ódio, a perda de controle e a sensação de propriedade sobre as mulheres são as grandes motivações do crime de matar uma pessoa por sua condição de… ser mulher. Esta é a definição de ‘Feminicídio’ – crime que dá título ao espetáculo original da Cia Ateliê ad Academia de Dança. A apresentação traz, com inegável beleza artística, a cruel realidade cotidiana na vida de muitas mulheres brasileiras – violência doméstica, estupros e abusos. Com uma coreografia forte assinada por Fábio Alcântara (PE), concepção teatral de Eduardo Reis e criação e direção geral da maranhense Silvana Noely, o segundo espetáculo da companhia faz o espectador sentir a gravidade e o peso da violência que faz tantas vítimas fatais entre quatro paredes. ‘Feminicídio’ estreia neste sábado (27) e domingo (28), às 20h, no Teatro Arthur Azevedo.

Rompendo com uma preferência dos espetáculos da dança contemporânea brasileira pela ficção e beleza da fantasia, esta apresentação traz à tona uma realidade forte e feia. “O feminicídio está na atualidade. Quantas mulheres morrem por dia vitimadas por todos os tipos de agressão! Assim como todo o preconceito racional, o feminicídio está no nosso cotidiano. A maioria dos artistas preferem inventar alguma coisa a partir do irreal, mas a arte chega de várias maneiras”, destaca a diretora.

A prisão da violência e do assédio. Foto Gustavo Rock e Rodrigo Ribeiro
Histórias reais

O espetáculo é estruturado em histórias reais de mulheres brasileiras. Uma cuidadosa pesquisa trouxe à tona a história de uma dessas sobreviventes. Dulcimaia Dulec da Silva Maia foi violentada e torturada com choques na vagina durante a ditadura militar no Brasil. Ao som da narração dos dias de terror vividos por Dulcimaia (em texto escrito e autorizado pela mesma), os bailarinos da Cia Ateliê ad Academia de Dança utilizam de elementos como escadas e máscaras para aproximar a plateia da cena. Apesar do horror, o balé traz o encanto do irreal, a harmonia dos movimentos, a beleza da arte possibilitando que a cena – certamente desesperadora para quem viveu – se torne tolerável para quem vê.

Nos 120 minutos de duração, vários casos descortinados. Numa tela vermelha, o assassinato da atriz e bailarina Daniella Perez, 22 anos – filha da autora de novelas Glória Perez. Vitimada pelo ciúme e inveja irascíveis, Daniella foi assassinada com 18 punhaladas por seu colega de trabalho, o ator Guilherme de Pádua, e sua esposa. Outra vítima representada é a socialite à frente do seu tempo, Ângela Diniz. Nos anos 70, um companheiro possessivo a aprisionou, não aceitou o término e a matou. O motivo se assemelha a tantos casos que acontecem no Maranhão. Iarla Lima (25 anos), morta por ciúmes de um tenente do exército; a criança Alanna Ludmila (10 anos), estuprada e assassinada pelo ex-padastro; Simone Nogueira (27), morta pelo companheiro a facadas por não querer mais o relacionamento. Isso somente em 2017.

Espetáculo Feminicídio estreia em 27 de janeiro. Foto de Rodrigo Ribeiro.
Os exemplos, os gestos e momentos da coreografia – por vezes contando casos tão específicos – são facilmente identificáveis no relato da prima, na cena da festa do domingo, nos gritos da vizinha – no rosto no espelho. No desenrolar da coreografia, alguns Pas de Deux (duetos de bailarinos, geralmente um homem e uma mulher) trazem à tona o romance, o carinho, a sensualidade – elementos que geralmente constroem narrativas reais e bonitas, até serem quebradas pela violência.

“É totalmente diferente falar de feminicídio por meio da dança do que por meio de um folheto com número de destaque Disque 180”, pontua Silvana.

A sonoplastia também é um elemento importante em Feminicídio. Os relatos gravados bem posicionados, efeitos sonoros e músicas selecionadas compõem o clima belo e tenso da apresentação.

O espetáculo é de uma beleza triste e feminina. Entre palco e plateia é estabelecidada uma relação de intimidade que dialoga diretamente com o público. Sendo mulher, é impossível não querer prantear a dor daquelas mulheres. A experiência transformou o elenco – alguns dos integrantes vivenciam tal realidade em suas próprias casas – “Depois do espetáculo, mudei a forma de ver as mulheres. Não só as da minha família, todas”, diz uma das bailarinas. É essa transformação interna que muda a realidade externa. A transformação que se espera que os espectadores passem com o impacto sentido.

Fonte: MA10

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *